fonte: Folha de SP
“Você quer melhorar o gosto da sua periquita?”, questiona Bruno Jacob, 29, acompanhado de uma animada abertura musical.
A pergunta era o título original de uma publicação no YouTube do ginecologista
—um caça-clique, segundo ele, criado pela pessoa que o auxilia nos vídeos.
A repercussão negativa levou à mudança do nome para “Alimentos que alteram o sabor da vagina” (em maiúsculas, como é comum em outros tantos títulos da plataforma).
“As pessoas que reclamam não chegaram a ver o vídeo”, diz Jacob. “Circulou como se a vagina tivesse um gosto ruim ou que a mulher deveria mudar o gosto para agradar o homem. E não é nada disso. A mulher tem que se sentir bem quando for receber o sexo oral do parceiro.”
Por sinal, sexo é um dos temas mais frequentes no canal do médico, inaugurado cerca de um ano atrás. Tudo começou no Instagram (onde tem 45 mil seguidores); depois, ele migrou para o YouTube (onde tem mais de 400 mil inscritos).
Em seu canal, chama suas seguidoras de “ginequetes” e usa linguagem simples para atrair atenção e fãs. “Vendo vídeos, eu aprendi a tocar violão e fazer sushi. O que eu tenho para ensinar? Ginecologia.”
Para ele e para a ginecologista e obstetra Laura Lúcia Martins, 44 (240 mil inscritos), o tempo reduzido das consultas e a preocupação em passar informações de modo acessível foram o combustível para as recentes iniciativas.
Os resultados, diz Jacob, aparecem em relatos de seguidoras, que contam ter menor frequência de episódios de candidíase, por exemplo.
“Todo mundo sabe os cuidados básicos com os dentes: passar fio dental, escovar após as refeições. Então, meu sonho é que todas as mulheres saibam quais são os cuidados básicos com a região íntima”, afirma Laura Lúcia.
“Quando recebi a placa de 100 mil inscritos, me perguntei: ‘Será que eu sou um youtuber?’ Não sei. Sou um médico que fala sobre saúde no YouTube”, diz Jacob.
Alguns médicos já se encontram na lista de milionários de inscritos. Um deles é o cirurgião vascular e especialista em medicina ortomolecular Dayan Siebra, 43, que diz dedicar a maior parte do tempo à nova atividade—seu canal também tem aproximadamente de um ano.
Siebra diz que é dele o perfil brasileiro na área médica mais visualizado e com maior faturamento com propaganda do YouTube. Segundo informa o médico, o faturamento está em cerca de US$ 8.000 (R$ 30 mil) ao mês.
Com o canal, a procura de pacientes aumentou, assim como o valor das consultas —que agora ele classifica como consultorias, que foram de R$ 750 para R$ 5.000, por seis meses de acompanhamento.
“Se fosse meu objetivo principal, eu atenderia pessoas todo dia e toda hora.” Atualmente, em seu site pessoal, ele se define como “médico, youtuber, escritor e palestrante internacional”.
O YouTube afirma que não tem pesquisas de audiência na área médica e não confirmou os valores.
O médico Lucas Fustinoni, 30, de Curitiba, também já ultrapassou a marca de 1 milhão de inscritos. Ele montou um pequeno estúdio em sua casa, tem uma equipe de edição, começará a postar vídeos em inglês e tem planos de expandir para o chinês.
A fama também trouxe mais pessoas à sua clínica, mas, citando regras do CFM (Conselho Federal de Medicina) e aconselhado por seus advogados, diz que o objetivo do canal é informar, não angariar clientela.
Médicos que conversam com o público por meio de uma tela não são novidade —a diferença é que agora não dependem de intermediários e que, com o aumento da oferta, precisam disputar a atenção do público.
Há 25 anos, Jairo Bouer começou a informar sobre saúde no Folhateen, suplemento da Folha publicado até 2011. Passou pela TV e hoje também está na internet.
Para Bouer, a transmissão de conhecimento está pulverizada e a internet virou uma faca de dois gumes: se por um lado amplia a disseminação, por outro pode ter uma parcela de culpa na resistência das pessoas em falar com um especialista de verdade. “
“Por isso, todo cuidado é pouco com o conteúdo que se consome”, defende. “Pílula é um exemplo clássico. Precisa ser superpensada no consultório, dependendo das características da pessoa”, diz. “Dá mais trabalho produzir hoje para a área de saúde. Você precisa desconstruir mitos.
Para evitar comportamentos inadequados nas redes, o CFM tem regras específicas de publicidade na internet para profissionais médicos.
“Redes sociais como YouTube, Instagram e WhatsApp fazem parte do cotidiano das pessoas, e o conselho não vê com nenhuma restrição a divulgação de assuntos que são pertinentes e de interesse da sociedade”, afirma José Fernando Vinagre, do CFM.
É essencial, porém, se ater ao conhecimento já reconhecido pela comunidade científica. Ou seja, o melhor é fugir de canais que prometem curas milagrosas.
Também são proibidos a publicação de nomes de medicamentos (somente princípios ativos podem ser citados), exposição de pacientes (inclusive imagens de antes e depois) e a prescrição de tratamentos à distância.
Os médicos que se arriscam no segmento devem tomar cuidado ao falar sobre tratamentos ainda não reconhecidos e em fase de estudos. José Fernando Vinagre diz que deve ser enfatizado que o produto ainda é experimental.
É necessário ainda que os canais do médico informem o nome, o CRM (registro no conselho profissional e estado) e que conste a qualificação de especialista. (Sim, você provavelmente segue algum médico que não apresenta nada disso em seu perfil.)
Por fim, o CFM afirma que se deve evitar a autopromoção —embora seja tênue linha divisória entre a prática e a busca por seguidores virtuais.